Estamos fartas de ouvir sobre laços duplos, duplas, triplas e quádruplas jornadas, do cansaço extremo das mães.
Sobre isso, inclusive, a recentíssima pesquisa A nova mãe brasileira mostra que 70% consideramos a maternidade exaustiva, difícil e cansativa. Nunca perguntaram a nossas avós, rá rá rá…
Claro, vivemos esse cansaço todos os dias, todas as noites.
Eu vivo esse cansaço. Aqui, do alto do meu privilégio que me permite a ajuda de uma babá, as jornadas de trabalho mais flexíveis que a da maioria das trabalhadoras e, especialmente, o apoio e participação incondicionais do marido.
E não estou cansada porque acredito que as mulheres podem ter tudo.
Ninguém pode ter tudo. Um pedaço de viver é fazer escolhas, largar mão, segurar o que se quer, o que se pode, o que se deve, enfim. Outro pedaço de viver é não ter escolhas e ser levado pela maré.
Não poder ter tudo não é um problema. A ausência do ter é o moto do desejo. Desejar é bom pra fantasia, pra vida.
Eu queria muito ser a mãe que projeto na minha cabeça para Cecilia; ser uma esposa/namorada incrível; ser linda, magra e estilosa; ser rica; ser inteligente; fazer as unhas toda semana (este semestre fui ao salão incríveis duas vezes); ter tempo pra procurar brócolis fresco em Mariana; marcar dermatologista pra pequena; regar as suculentas e orquídeas com regularidade; arrumar os livros; chamar a capina; marcar marceneiro; ler um livro por semana; estudar; ver seriados; escrever; voltar a deixar só 50 emails na caixa de entrada (hoje cheguei aos 55, ufa!); cozinhar. São desejos.
Pelo caminho, vou deixando algumas dessas coisas e me agarro a outras. Dou à vida o controle que posso, do jeito que dá.
A partir das escolhas que fiz.
Uma dessas escolhas, em família, foi comer comida feita pela gente. Isso implicou, claro, em primeiro lugar a aprender a cozinhar (disso falo depois). Mas cozinhar que horas?
Comentei com uma aluna que esta semana Cecilia pediu estrogonofe, que adora. Tinha reunião no dia seguinte. Resultado? Duas da manhã e a gente deixando o almoço pronto.
Dias atrás, preparamos um quibe pré-assado pra outro dia de outra reunião. Ficou pronto 3h30.
Ela me falou de um episódio de Rugrats (já é vintage, a essa altura da humanidade) em que Stu faz um pudim às quatro da manhã e diz que perdeu o controle da vida dele.
Apesar de a cena dele batendo a panela ser muito familiar no olhar destruído, nos cabelos largados, não acho que perdi o rumo da minha vida, não. Está praticamente tudo sob controle, à parte o que não está. Esse tal controle só não é fácil. Não dá conta de segurar tudo. Não precisa segurar tudo. Se entristece se uma planta morre mas se alegra porque a filha almoçou feliz. Faz o que dá, tenta mais um pouco. Sabe que o cansaço faz parte, que os três, quatro turnos, fazem parte.
Hoje, no banho, me caiu todo o cansaço do universo sob a água quente. Depois do sono de Cecilia voltei ao trabalho. Há prazos a cumprir. Depois do trabalho, é hora do almoço de amanhã.
Cansada, não me entristeço (só tenho mais dor de cabeça às vezes).
E, se nada dá certo, respiro fundo e de novo, mais fundo.
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